Da Ponta Grossa chegaste, e de fininho saíste. De permeio, quebraste corações. Furaste redes. Deixaste marcas inusitadas gravadas a paixão e uma insaciável sede pela arte do golo.
Porque no fundo foste um artista.
Nem sempre esteticamente belo, é certo. Por vezes caótico e desordenado como um Jackson Pollock, mas nunca deixavas a tela por preencher. Colorida, a óleo, guache, ou com um simples pastel, a tracção total da tua arte não deixava ninguém indiferente. Eras um chiaroscuro num Mundo de sfumatos.
Eras Severo com os defesas contrários, que fraquejavam na marcação com o simples vislumbre das tuas golas levantadas ou camiseta escarlate. Serias tu uma alucinação ou Old Trafford teria feito uma visita à depauperada liga Nacional?
Um ameaçador "au revoir" ecoava nas ocas mentes de todos esses centrais que ensandecidos julgavam poder travar a tua sede pelo pote. Tristes coitados. Joelhos tremiam, olhos humedeciam, e tu - sem piedade - aguçavas a tua imparável paixão pelo horizonte. O teu horizonte tem quatro letras e chama-se "golo".
De cabeça présque rapada, gola levantada e um casual desprezo pela profissão que te põe o bagaço na mesa, tu puxas a culatra atrás e disparas.
Um tiro? Prefiro chamar-lhe um beijo. Um beijo de morte, um beijo de paixão, de desdém, de amor-ódio. Um ácido beijo que corrompe as outrora doces redes que separam o esférico das bancadas após ultrapassar a linha delimitadora da glória.
Ao fim e ao cabo, é de glória que tratamos. De grandiosidade. Da arte, da vida, da solidão da genialidade e da inspiração que bebemos da fonte divina. Tu, amigo, foste Deus e Diabo. Apagaste incandescentes Luzes e derrubaste graníticas Antas. Sentaste Zeus a teu lado e degustaste com ele um opíparo manjar. Persuadiste Vénus a partilhar contigo uma quente noite de paixão.
Ensinaste a arte do esférico ofício a bancadas de incautos simplórios que só queriam ver a sua equipa vencer. Porque futebol é muito mais que isso. Muito mais que vencer ou perder. Tu crias, tu destróis. Fazes mitos nascer com um mero olhar determinado - gélido na sua expressão, quente na sua profundidade. O desporto não existe. O desporto és tu, e o teu pincel. De Ponta Grossa ou fina, o Mundo é a tua tela e a bola o teu veículo.
Ensina-nos, Cantona de Paranhos. Sorri, no típico esgar jocoso dos predestinados. Levanta as golas e fura as redes. Dobra os postes. Verga os defensores. Porque entre nós público, e tu artista, não há cumplicidade. Há desprezo e admiração, há voyeurismo e genialidade. Há sedução.
Nunca deixes que te digam que foste uma mera imitação. Um falso ídolo de pés de barro, um Buda comprado na Feira de Espinho. Nada disso.
Tu és a vida. Severa como ela só sabe ser, marcante como só ela pode marcar.
Tu és Severo, Marcos. De bola no pé, e golo no placard.
Au revoir.
4 comentários:
Tenho uma lagrima no cantu duolho
Tenho uma lagrima no cantu duolho
Fitzx es um poeta
Um grande Du para ti e para os teus
Thank you very much.
Um verdadeiro pedaço de poesia. Se o Severo lê isto vai emoldurar o texto e colocá-lo junto da caneleira que o Chico Fonseca lhe partiu, com um tackle impregnado de carinho, naquele célebre treino em que o Carlos Manuel ficou sem Chupa Chupps. E o Nandinho e o Vinha ficarão a roer-se de inveja.
Poesia. É nestes momentos que também eu gostaria de ser Severo.
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